Postura: é a mais antiga causa provável para todas as dores que conhecemos… desde familiares próximos, a profissionais de saúde, muitos nos alertam para o malefício das posturas estáticas. Apesar dessa quase-perfeita relação (postura-dor) ser aceite socialmente, será que a ciência nos mostra o mesmo? Temos que perceber que mesmo quando dois fatores estão presentes simultaneamente poderão não estar correlacionados.

Assim, são muitos os estudos que se têm debruçado sobre a presença de uma postura ineficiente, principalmente em casos de dor crónica cervical e lombar. Os resultados são conflituosos: muitos mostram, realmente, uma alteração na postura, na dor – p.ex.: cabeça anteriorizada ou lombar em máxima amplitude de flexão ou extensão – mas, dificilmente, conseguiram mostrar alguma causalidade entre os dois fatores. Além disso, especialmente na dor lombar crónica, muitos indivíduos mostraram ter uma postura similar aos indivíduos assintomáticos. Também, não há descrição de uma postura específica associada à dor – alguns indivíduos, com dor, adotam posturas lordóticas, enquanto, outros, posturas cifóticas – levando à hipótese de não haver uma correlação de causalidade entre o binómio dor-postura.

A hipótese de que a postura é causativa de dor advém de uma perspetiva mecânica – maior tensão tecidual, uma relação comprimento-tensão ótima muscular alterada, etc. – mas sabemos que a dor é um fenómeno multifatorial e que, assim, está longe de depender apenas de fatores mecânicos. Sabemos até que o “slouch” (sentar numa posição muito fletida) pode até ter um benefício de reidratação e alívio discal, apesar de socialmente ser percecionado como postura “maligna”.

Sabe-se também que as capacidades propriocetivas ficam alteradas após a manutenção de uma postura em flexão, sendo depois mais difícil voltar a uma posição neutra da região lombar. Todavia, vários estudos mostraram que o mesmo fenómeno acontece com indivíduos assintomáticos, sem treino, levando a crer que poderá não estar relacionado com quadros sintomatológicos.

Outros estudos vão contra esta linha e mostram evidência da influência da postura na dor. Apesar disso, os estudos que observaram alterações posturais entre indivíduos com dor e sem dor, suspeitam que apenas na faixa etária abaixo dos 50 anos a postura realmente poderá ter uma influência. Já nas pessoas acima dessa idade, nenhuma relação entre dor e postura foi encontrada, assumindo-se que as alterações posturais são devidas às alterações degenerativas – que são completamente normais – da coluna cervical e lombar.

Acreditamos, neste momento, que poderá realmente haver uma diferença na postura dos indivíduos com dor e sem dor. Por outro lado, essa diferença, apesar de significativa estatisticamente, não parece ser significativa em termos clínicos – as diferenças encontradas são na ordem dos 3º, sendo quase impercetível ao olho do fisioterapeuta. Assim sendo, mesmo existindo uma causalidade entre dor e postura – parecendo uma visão duvidosa (principalmente em pessoas com mais de 50 anos) – não se consegue perceber uma relação temporal. Isto é, nenhum estudo observou a alteração postural prévia ao aparecimento de dor, não sendo possível perceber se a dor causa a alteração da postura e se a alteração postural causa a dor ou até se estes dois fatores têm alguma relação.

Num estudo que se debruçou sobre a população dentista – com alta incidência de dor cervical e lombar – foi implementada uma metodologia que comparava dois tipos de treino diferentes: o treino A visava a correção de uma postura de cabeça anteriorizada; o treino B visava apenas o movimento e o reforço da musculatura cervical (principalmente treino isométrico). As conclusões foram curiosas: apesar de no grupo A a correção postural ter sido evidente, as melhorias de funcionalidade e dor foram estatisticamente similares nos dois grupos – mostrando que a correção da posição da cabeça não foi o fator fundamental para a cessação de sintomatologia e aumento da funcionalidade. Resumindo, aparentemente, é a manutenção de qualquer postura, por espaços de tempo alongados, seja ela mecanicamente perfeita ou não, que poderá causar desconforto. Então a capacidade de mudar regularmente de postura – de uma maneira inconsciente – poderá ser a maneira de prevenir quadros sintomatológicos. Mas, para tal, o indivíduo deverá ser dotado de: uma boa consciência corporal; de mobilidade e controlo motor suficientes e de um sistema nervoso central capaz de perceber, com qualidade, o contexto e a tarefa, de maneira a haver uma maior variedade de posturas possíveis a adotar e uma mudança entre elas mais regular.

Curiosamente, numa perspetiva mais sociológica, foi estudada a postura de dominância e de submissão e a sua influência na dor. Aparentemente, se ocorrer a adoção de uma posição de dominância, a perceção da dor será diferente e o limiar da dor será mais benéfico, acreditando-se que este facto se deva a um aumento de perceção de controlo sobre as condicionantes/fatores ligados à sintomatologia – mesmo que este controlo aparente não seja percebido pelo indivíduo. Ainda mais importante, parece que este fenómeno, acontecendo por parte do Fisioterapeuta ou profissional de saúde, acaba por ajudar também a uma melhoria, por parte do utente, do seu limiar de dor.

Em conclusão, não há evidência de que uma postura seja causativa de quadros sintomáticos. Mais, parece haver evidência que mostra que esta relação não é de todo verdadeira. Então, não será a postura a causa da dor e o sugerido é não manter durante muito tempo a mesma postura, sendo, para tal necessário um trabalho das competências motoras básicas.

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– Artigo de opinião escrito pelo ft. João Ferreira –