O que sinto depende de como me sinto
A Associação Internacional para o Estudo da Dor define o termo “dor” como uma experiência sensorial e emocional desagradável.
A dor para além de subjetiva, aglomera experiências individuais, isto é, processos mentais, sentimentos e crenças são fatores que contribuem de forma significativa para a interpretação da dor1. Cada vez mais, apoia-se a ideia de que os mecanismos cognitivos são potentes moderadores da dor e da incapacidade. Como já falamos num artigo anterior (“O efeito Nocebo”), aquilo em que o utente acredita tem uma ligação direta com a capacidade de se auto-controlar (por exemplo, a capacidade de ultrapassar os medos e receios) e de ser auto-eficaz2.
Devido ao ambiente hostil que vivemos nos últimos meses, decorrentes da pandemia SARS-COV-2, temo-nos apercebido, cada vez mais, que problemas psicológicos representam, para a sociedade moderna, um grande desafio. Transtornos emocionais, depressão e ansiedade têm feito parte do leque das doenças mais importantes e mais prevalecentes no mundo3.
Estudos recentes estabelecem, coesamente, a ligação entre depressão e dor (crónica). Michaelides et al (2019) referem que utentes com níveis elevados de ansiedade e stress apresentam sintomas físicos bem delineados, entre eles, lombalgia, cervicalgia, dor gastrointestinal, dores de cabeça e musculares.
Carr et al. (2005) demonstraram que a ansiedade está intimamente ligada com a dor. Quanto mais um indivíduo apresentar níveis altos de ansiedade, por exemplo, antes de uma cirurgia, maior serão os níveis de dor no pós-cirúrgico.
Ainda que não haja 100% de consenso e efetividade, utentes com níveis mais baixos de ansiedade demonstram maior tolerância à dor e maior sensibilidade, em comparação com indivíduos diagnosticados com altos níveis de ansiedade. Isto porque fatores como a ansiedade e o stress estão associados a aumento da atenção, aumento da catastrofização e, consequentemente, aumento da dor percebida.
No mesmo seguimento, uma revisão sistemática mostrou, também, que a depressão influencia o prognóstico, por exemplo, de dor lombar nas fases agudas e subagudas 5 devido às crenças e pensamentos negativos dos utentes. Em consonância, estudos de psiconeuroimunologia detetaram que estados elevados de ansiedade, stress e catastrofização estão intimamente relacionados com processos inflamatórios que, consequentemente, se relacionam com a dor6. Como sabemos, o sistema nervoso central interage dinamicamente com o sistema imunológico de forma a modular a inflamação através das vias humoral e neural6. A ativação das vias aferentes vagais permite que haja libertação da acetilcolina, bloqueando a produção de citocinas.
A catastrofização que tanto mencionamos, não é nada mais nada menos que um conjunto de experiências cognitivas e emocionais negativas que englobam sentimentos de desamparo, amplificação da dor e de pensamentos depressivos6. Está vinculada a alguns dos mecanismos neurobiológicos subjacentes à perceção da dor, incluindo a inflamação.
Indivíduos com grandes níveis de catastrofização tendem a demonstrar hiperalgesia, intensidade de dor mais elevada e níveis maiores de incapacidade física6. Leves variações nos níveis de concentração citocinas pró-inflamatórias pode já ter implicações na experiência de dor musculo-esquelética. Por exemplo, revisões recentes verificaram que os efeitos das citocinas no ser humano têm relação direta com os processos e relações sociais.
Indivíduos com diagnóstico de depressão apresentam níveis de angústia aumentada, direcionando sempre as expectativas de maneira negativa. Essa resposta antecipada à dor e expetativa leva a uma hipervigilância para impedir ameaça, contribuindo para a modulação desadaptativa durante a experiência de dor.
Apesar do limiar de dor mais alto em utentes com diagnóstico de depressão e ansiedade, verificou-se que este grupo apresenta queixas de dor com maior frequência, maior intensidade e sensação mais desagradável relativamente a utentes não-depressivos. Isto concorda com a literatura que descreve o “paradoxo da dor”, indicando que utentes deprimidos e ansiosos têm um limiar de dor mais alto para a dor induzida (dor provocada por isquemia ou sensação térmica – calor), mas são mais sensíveis à dor endógena. Não se sabe explicar este paradoxo coesamente, mas pensa-se que o limiar de dor avaliado por breves estímulos não é representativo (de distúrbios na inibição endógena da dor).
Depressão e ansiedade não estão apenas ligadas à dor. A incapacidade é também um fator patente.
Estudos revistos mostraram que lombalgia crónica está ligada a grandes níveis de cinesiofobia, levando os utentes a evitar certos movimentos e atividades. Valores mais altos de inatividade estão associados a maiores níveis de sofrimento emocional contribuindo para aumento da sintomatologia dolorosa e agravamento dos estados de ansiedade e distúrbios psicológicos5. E assim, criamos um ciclo.
Cada vez mais se tem apoiado a necessidade da intervenção precoce, projetada para a prevenção de doenças mentais e promoção do bem-estar. As autoridades médicas apelam à prática de exercício físico, como parte integrante de um estilo de vida saudável3. Não é demais salientar que a atividade física tem um impacto brutal na auto-estima, fator, muitas vezes, “negligenciado” em diagnósticos de depressão, nomeadamente em crianças e adolescentes. Não há um consenso entre exercício de baixa ou alta intensidade nas intervenções psicosociais3. Acredita-se que o trabalho de desenvolvimento de sistemas energéticos, com foco na capacidade aeróbia, melhora, em geral a circulação sanguínea e tem impacto na redução da rigidez e inflamação5,7.
Apesar de acreditarmos que o exercício-físico é um meio de ligação entre várias componentes – emocional, social, física e mental – que promovem o bem-estar físico e mental, é fundamental que exista uma intervenção multimodal e multidisciplinar em casos de transtornos psicológicos.
Portanto, na FISIOGlobal promovemos ao nosso utente:
– Exercício Físico (exercício clínico): auxilia na prevenção de doenças, na melhoria do bem-estar físico e emocional e no aumento do sistema imunitário;
– Treino de respiração em regime domiciliário: ter a capacidade de tranquilizar o nosso corpo e fazer senti-lo mais leve, pode ser o ponto de partida para alcançar o bem-estar físico e mental;
– Descanso: dormir entre 7h a 8h permite a consolidação de novas aprendizagens e regeneração dos tecidos. Quando não descansamos bem e há supressão do sono, há maior tendência para níveis baixos de humor, consequentemente níveis mais altos de ansiedade e stress, que se reflete em níveis baixo de imunidade, desregulação na secreção e libertação de hormonas e diminuição na potencialidade de consolidação de memórias.
– Psicologia: permite o auto-conhecimento, auxilia na gestão do stress, ansiedade e emoções e ajuda a criar um mindset com enfoque no positivismo.
Rute Gil
Fisioterapia | Reabilitação | Treino sensório-motor | Prevenção e Recuperação de lesões
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Michaelides A, Zis P. Depression, anxiety and acute pain: links and management challenges. Postgrad Med. 2019;131(7):438-444. doi:10.1080/00325481.2019.1663705
2. Kröner-Herwig B. Einfluss von kognitiv-emotionalen Prozessen auf Schmerz und Funktionsbeeinträchtigung: Eine psychobiologische Perspektive. Schmerz. 2014;28(5):537-546. doi:10.1007/s00482-014-1468-5
3. Larun L, Lv N, Ekeland E, Kb H, Heian F. Exercise in prevention and treatment of anxiety and depression among children and young people. 2008;(1). http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/14651858.CD004691.pub2/abstract
4. Carr ECJ, Thomas VN, Wilson-Barnet J. Patient experiences of anxiety, depression and acute pain after surgery: A longitudinal perspective. Int J Nurs Stud. 2005;42(5):521-530. doi:10.1016/j.ijnurstu.2004.09.014
5. Grabovac I, Dorner TE. Association between low back pain and various everyday performances: Activities of daily living, ability to work and sexual function. Wien Klin Wochenschr. 2019;131(21-22):541-549. doi:10.1007/s00508-019-01542-7
6. Lazaridou A, Martel MO, Cahalan CM, et al. The impact of anxiety and catastrophizing on interleukin-6 responses to acute painful stress. J Pain Res. 2018;11:637-647. doi:10.2147/JPR.S147735
7. Cooney GM, Dwan K, Greig CA, et al. Exercise for depression. Cochrane Libr. 2013;9(9):1-123.