O efeito nocebo
“A sua coluna é frágil”
“Tem uma hérnia a trilhar o nervo”
“Tem de ter o máximo de cuidado porque pode rasgar o tendão”
“Apresenta uma vértebra fora do sítio”
“Não pode pegar em pesos”
Certamente que já se deparou com este tipo de informação. Lamentavelmente, na área da saúde estas expressões ainda são muito utilizadas. E, à luz da ciência, sabe-se que quando são proferidas por um profissional de saúde podem ter, naturalmente, alto impacto negativo sobre a perceção que a pessoa tem da sua condição clínica, que em nada contribuirá para o sucesso das medidas terapêuticas a serem instituídas.
Qualquer tratamento na área da saúde tem dois componentes:
1) Efeitos específicos do tratamento;
2) Efeitos inespecíficos, relacionados com a perceção que o utente tem do protocolo aplicado. Estes efeitos podem ser divididos em 2 tipos:
a. Efeito nocebo, quando o utente encara que são “prejudiciais”. A palavra “nocebo” deriva do latim “vou prejudicar” ou “fazer mal”;
b. Efeito placebo quando são “benéficos”.
Outros estudos indicam, ainda, que a utilização de palavras como “queimar”, “arder”, “doer”, “dor” antes dos procedimentos a realizar instiga maior sensação de desconforto.
Poderíamos pensar que limitar estes cenários, colocaria os profissionais de saúde em dilemas éticos pois não iriam manter os utentes informados dos procedimentos a realizar… no entanto, é possível lidar com a pressão imposta! Como? Enfatizando os aspectos positivos! Isto é: em vez do uso de expressões como “é expectável que sinta dor”, afirmar que “resulta bem na maior parte dos pacientes”. Mas, atenção, não é só a comunicação verbal! A comunicação não-verbal (como, por exemplo, a postura corporal, o tom de voz, a testa franzida ou os ombros encolhidos) pode também conter numerosas sugestões negativas.
Num estudo da Universidade de Harvard, os pacientes com diagnóstico de asma foram distribuídos em 2 grupos. O primeiro grupo recebeu uma medicação broncoconstritora que, habitualmente, agrava os sintomas da asma, mas, foi-lhes referido que seria um broncodilatador (que, na maior parte dos casos, melhora os sintomas). O segundo grupo recebeu, um broncodilatador, mas foi-lhes indicado que seria um broncoconstritor. Os resultados indicaram que aqueles que ingeriram um broncodilatador tiveram um agravamento dos sintomas. Inesperado (ou não), esta sugestão de nocebo reduziu a eficácia da medicação em praticamente 50%.
Esclarecer os efeitos de uma modalidade terapêutica não se deve (nem se pode) resumir à mera exposição dos factos. É, essencial, entender que os mecanismos modulatórios dos efeitos tanto placebo como nocebo têm por base as expetativas e crenças do individuo, as experiências e a informação dada ao utente.
Informação excessiva altera a circulação, aumenta a ansiedade, stress a médio prazo, favorece a libertação de cortisol e respostas mal adaptativas à dor = dor generalizada.
Também os meios de comunicação e outras fontes de informação, como a internet e o marketing, podem moldar poderosamente a forma como o utente percepciona o seu tratamento, devido a mensagens e informação errónea. Tal facto é capaz de gerar aumento da ansiedade e sensação de vulnerabilidade, que pode amplificar as sensações corporais, levando o paciente a desistir do tratamento indicado.
No entanto, o efeito nocebo também pode ser induzido pelo próprio utente através da forma como encara a sua condição clínica:
a) “sinto sempre uma dor”
b) “levanto-me sempre com dor”
c) “comigo acontece sempre isso”
d) “vou ter que aprender a viver com esta dor porque vai-me acompanhar para sempre”
e) “não posso pegar em pesos”
f) “não sou capaz”
Se, aliado às crenças do utente e ao excesso de informação (perigosa!) do profissional de saúde, existirem níveis altos de angústia e sofrimento psicológico, há uma grande tendência para a somatização e amplificação dos sintomas, preditores significativos de efeitos colaterais do tratamento induzido.
Mas, é possível modificar este perfil!
Ao invés de se desviar o problema para as exceções, é importante encontrar uma abordagem terapêutica direcionada para as soluções (e não para os problemas!). Criar perguntas construtivas, ao contrário de questões que impliquem respostas de “sim” ou “não” pode ser o ponto de partida para a mudança. A solução não é, de todo, negar o problema ou mentir, mas encaminhar o utente para outras possibilidades.
Agir em equipa multidisciplinar, discutindo e compreendendo as questões, crenças e dúvidas do utente, bem como conhecer as possíveis fontes de efeitos colaterais inespecíficos é fundamental para que se possa fornecer explicações e dar incentivos necessários à pessoa a reabilitar.
A reter:
a) Ao invés de limitar um exercício porque tem dor no tendão, devem-se instituir medidas terapêuticas, como por exemplo, o exercício de forma consciente e orientada, que permita, a curto prazo, diminuir a sintomatologia e aumentar a funcionalidade. Por isso, afirmações como “evite exercícios pois pode romper o tendão” podem ser caluniosas e só irá aumentar a perceção de dor;
b) Pegar em pesos, na maior parte dos casos, não é considerado fator de risco desde que o utente apresente competências motoras para executá-lo;
c) Procurar informação sobre a condição clínica no Google pode ser perigoso e aumentar a probabilidade de sentir dor pois irão focar-se, apenas, nos aspectos negativos;
d) É importante colocar a pessoa como parte integrante do processo de reabilitação, mas não aumentar os seus sinais de alarme;
e) Focar a atenção numa dada estrutura, em vez da funcionalidade pode somatizar a sintomatologia. É possível que uma articulação ou um tendão (exemplo: tendão do supraespinhoso) estejam alterados sem que exista dor ou marcada limitação (por exemplo: abdução do ombro). Dessa forma, é mais importante o estudo da funcionalidade do indivíduo como um todo, do que uma análise redutora e centrada numa única estrutura anatómica.
Artigo escrito por Rute Gil, fisioterapeuta na FISIOGlobal, especialista em Human Performance.
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