Mochilas e dor lombar: verdade ou mito?
A dor lombar, que se pensa ter uma associação ao peso excessivo das mochilas, é uma disfunção muito presente nas crianças e adolescentes.
Em termos sociais, este facto, oferece-nos uma problemática muito grande. Primeiro a disfuncionalidade que esta disfunção trás às crianças, pela obrigação de ausência à escola ou outras actividades extra-curriculares mas, acima de tudo, por ser um factor de predisposição a dor crónica lombar quando em idade adulta.
A assunção que o peso (excessivo) da mochila poderá provocar dor lombar nas crianças e adolescente é já antiga, de tal forma que as recomendações se prendem no carregamento máximo de mochilas com carga até 5-15% do peso corporal (dependendo da associação/organização).
Mas, será que a carga da mochila terá uma correlação directa com maior prevalência de sintomatologia na região lombar? A verdade é que, apesar de alguns estudos, de menor qualidade, apresentarem esta conclusão, a evidência científica sobre esta temática é inconclusiva.
Apesar disso, estudos com maior nível de qualidade começam a não conseguir correlacionar o peso da mochila com a sintomatologia ligando-a, por sua vez, com outros factores biopsicossociais.
Aparentemente, ser do sexo feminino, consumir tabaco, de idade mais tardia, com maior índice de massa gorda, maior altura, que viva num ambiente urbano apresenta uma correlação maior com a dor do que propriamente com a carga movida na mochila.
Mais, novos estudos que correlacionam a influência do peso da mochila na sintomatologia da região lombar, não falam da sua carga absoluta (o peso realmente movido), mas sim do peso percepcionado pela criança (a sensação de peso seja qual for a carga movida).
Ou seja, facilmente conseguimos perceber que crianças mais descondicionadas fisicamente poderão ter mais problemas a carregar o mesmo peso na mochila comparativamente às crianças mais condicionadas – o que, na teoria, deita por terra a hipótese de sugerir cargas relativas ao peso da criança.
Além disso, já alguns estudos correlacionaram a falta de capacidade de produção de força com a maior prevalência de dor na região lombar, possivelmente, causada pelo transporte de mochilas com maior carga.
Mas então os factores que levam a maior dor de região lombar são todos relacionados com factores físicos? A verdade é que parece que não. Outros factores psicossociais parecem estar envolvidos. Isto é provado pois, apesar de estudos demonstrarem que o tempo com a mochila às costas é indicador de maior prevalência da condição, os estudantes que moram em zonas rurais – que apresentavam maior tempo de carregamento de mochilas – eram também aqueles que apresentavam menores queixas, o que demonstra que o contexto de residência (urbana) estaria relacionado com condições psicossociais não-óptimas para a percepção de dor lombar.
É também interessante perceber que, apesar de se achar (socialmente) que exista uma correlação directa entre peso carregado e dor, a verdade é que quando os jovens estão mais próximos da idade adulta carregam menor peso absoluto e relativo à sua composição corporal. Ainda assim, estudos mostram que apesar da carga ser substancialmente menor, a prevalência de dor é maior nesta faixa etária – debelando, mais uma vez, a correlação entre peso da mochila e dor lombar.
Ser mulher é também um factor de risco associado. Provavelmente pelas alterações hormonais e antropométricas, a mulher não está tão preparada para carregar determinada carga comparativamente aos homens.
O que podemos retirar deste resumo de evidência científica é:
– o peso absoluto não aparenta causar qualquer tipo de dor lombar
– a percepção de peso poderá ser um factor negativamente influente, por debilidade física
– há questões psicossociais associadas à percepção de dor lombar, nesta faixa etária
Alguns estudos evidenciam também que, devido ao tempo médio de passagem de uma aula para a outra, os cacifos parecem não ser uma solução que ajude a atenuar esta problemática nas crianças, uma vez que o tempo de utilização destes equipamentos não parece ser suficiente para ter impacto.
Desta maneira, parece que a melhor solução é preparar as crianças para a tarefa de carregar peso, melhorar a sua condição física e estimular estilos de vida saudáveis (não fumar, boa alimentação e actividade física).
Assim, após treino, a percepção de carga carregada na mochila será sempre menor e a capacidade de produção de força será maior e mais resistente, permitindo que a deambulação com mochila seja feita por mais tempo e sem sintomatologia.
Artigo escrito por João Ferreira, fisioterapeuta na FISIOGlobal, especialista em Human Performance.
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