”Levantamento de pesos” e o risco de lesão
O levantamento de pesos, seja ele feito no nosso dia-a-dia ou como atividade física, é, muitas vezes, considerado uma atividade perigosa para a nossa saúde e bem-estar. Mas, de onde vem esta crença?
A verdade é que é muito difícil precisar quando é que esta crença começou. No entanto, seria seguro assumir que todos nós, em vários momentos da nossa vida, já ouvimos dizer que “levantar pesos é perigoso” e que “nos podemos magoar”. Neste momento, acredito que a maioria de nós tome isto como uma verdade absoluta. Mas, o que tem a ciência tem a dizer sobre este tópico? Será que o “levantamento de pesos” constitui um perigo para a nossa saúde?
1.1 O que diz a ciência?
Quando pensamos em levantar pesos, em regra, ou pensamos em pegar numa coisa pesada do chão, ou imaginamos alguém a pegar em pesos bastante pesados no ginásio. Então, se assumirmos que pegar em pesos é perigoso, esta população que pega em pesos com muita regularidade deveria estar mais sujeita a lesões. Certo?
Bem, parece que não é bem como se pensa. Numa revisão sistemática de Ulrika Aasa et all em 2016, verificou-se que o risco de lesão em desportos de levantamentos de pesos, tais como Weightlifting e PowerLifting, onde o objetivo é levantar o máximo de peso possível, o risco de lesão era o mesmo que o de qualquer outro desporto sem contacto ( ± 3 lesões a cada 1000 horas de prática). Em comparação, desportos de contacto como o futebol americano e o wrestling têm riscos de lesão na ordem de ± 6/7 a cada 1000 horas de prática, o que, apesar de mais alto continua a ser um risco baixo. Estes resultados vão de encontro ao verificado numa revisão sistemática elaborada por Keogh e Windwood em 2017, que indica que o risco de lesão em desportos de levantamento de pesos era baixo, chegando a ser mais baixo do que em desportos de equipa.
Com isto surge uma questão pertinente. Como é que alguém é capaz de levantar duas vezes ou mais o peso do seu corpo do chão, mas quase todos nós já nos magoamos ao pegar em algo pesado?
Existe um conceito muito importante que é válido para qualquer situação: um risco é sempre dado por uma multitude de fatores. A título de exemplo: a maioria da população portuguesa conduz ou tem habilitação para conduzir. Da mesma forma, todos nós temos a noção de que conduzir é uma grande responsabilidade e que é um risco para nós e para os outros. No entanto, e apesar de ser um risco, este depende de muitos fatores (p.e: manutenção do automóvel, estado de consciência do condutor, perícia do condutor, visibilidade, estado de alerta do condutor, zona onde se está a conduzir,…).
À semelhança disto, no que toca à nossa saúde músculo-esquelética, mais especificamente o “pegar em pesos”, também existe um conjunto de fatores que podem aumentar ou diminuir o risco de nos magoarmos. Alguns deles poderão ser: o género, a idade, o nível de atividade física, o tipo de atividade física que praticamos, o nosso nível de stress, o estado de sono, entre outros.
É simples de compreender que alguém fisicamente mais ativo será mais capaz de realizar uma tarefa fisicamente exigente do que alguém que não o é. Da mesma forma, alguém que pratique corrida 3 vezes por semana estará certamente mais preparado para fazer uma maratona do que alguém que faça levantamento de pesos no ginásio 3 vezes por semana. E porquê? Porque apesar de a pessoa que faz ginásio 3 vezes por semana ter possivelmente mais músculo, esta não treina para correr. A conclusão é: nós estamos mais preparados para fazer aquilo que treinamos para fazer.
Apesar de o sono e os níveis de stress parecerem indicações gerais que nos são dadas sempre que falamos de saúde, e a verdade é que o são, podemos dizer que são os fatores mais negligenciados pela maioria de nós.
O maior papel que estes dois fatores têm no nosso dia-a-dia manifesta-se na nossa perceção essencialmente. Como? Todos nós já tivemos semanas de mais stress em que dormimos menos e, na maioria das vezes, temos uma queixa quando isso acontece. Para uns de nós é nas costas, outros é numa zona do corpo onde já fomos sujeitos a uma cirurgia, mas quase sempre temos um local que nestas alturas nos incomoda e, por vezes, chega até a ser limitador. No entanto, no decorrer de uma semana normal não costumamos sentir nada. Isto acontece porque quando estamos com níveis de stress mais altos ou privados de sono existe uma tendência para estarmos mais suscetíveis a sensações desagradáveis ou de dor (Schrimpf M, Liegl G, Boeckle et al., 2015).
Se qualquer atividade tem um risco associado, por mais baixo que seja, então o melhor a fazer será certamente arranjar a forma “mais segura” de pegar em pesos.
1.2 Qual a melhor forma de pegar em pesos?
A verdade é que a resposta é “depende”. Em 2022, Washmuth N, McAfee A e de Bickel C em 2022 realizaram um estudo com o objetivo de avaliar a biomecânica de métodos comuns para levantar pesos do chão, tais como o agachamento, o peso morto e o “dobrarmo-nos” para pegar num peso de forma a perceber qual seria a estratégia mais eficaz e com menor risco. Neste estudo perceberam que não existe propriamente uma forma melhor do que outra de pegar em pesos e que, em diferentes situações, umas estratégias são mais vantajosas do que outras. Neste sentido, concluíram que é mais relevante termos mais opções de movimento para os diferentes desafios do dia-a-dia.
1.3 O “levantamento de pesos” constitui um perigo para a nossa saúde?
Tendo em conta os riscos associados ao levantamento de pesos como atividade física e os seus benefícios, pode dizer-se que, o levantamento de pesos não constituí um perigo para a nossa saúde se for realizado de forma programada, progressiva e sensata.
Um abraço da sua equipa multidisciplinar
A FISIOGlobal
– Artigo escrito pelo Ft. João Costa
Referências bibliográficas
1- Aasa, U., Svartholm, I., Andersson, F., & Berglund, L. (2017). Injuries among weightlifters and powerlifters: A systematic review. In British Journal of Sports Medicine (Vol. 51, Issue 4, pp. 211–219). BMJ Publishing Group. https://doi.org/10.1136/bjsports-2016-096037
2- Keogh, J. W. L., & Winwood, P. W. (2017). The Epidemiology of Injuries Across the Weight-Training Sports. In Sports Medicine (Vol. 47, Issue 3, pp. 479–501). Springer International Publishing. https://doi.org/10.1007/s40279-016-0575-0
3- Kirsch Micheletti, J., Bláfoss, R., Sundstrup, E., Bay, H., Pastre, C. M., & Andersen, L. L. (2019). Association between lifestyle and musculoskeletal pain: Cross-sectional study among 10,000 adults from the general working population. BMC Musculoskeletal Disorders, 20(1). https://doi.org/10.1186/s12891-019-3002-5
4- Schrimpf, M., Liegl, G., Boeckle, M., Leitner, A., Geisler, P., & Pieh, C. (2015). The effect of sleep deprivation on pain perception in healthy subjects: A meta-analysis. Sleep Medicine, 16(11), 1313–1320. https://doi.org/10.1016/j.sleep.2015.07.022
5- Washmuth, N. B., McAfee, A. D., & Bickel, C. S. (2022). Lifting Techniques: Why Are We Not Using Evidence To Optimize Movement? International Journal of Sports Physical Therapy, 17(1). https://doi.org/10.26603/001c.30023