Infeções urinárias em crianças

“Então… as infecções urinárias nas crianças são frequentes. O que é que aconteceu convosco? Pediatra, antibiótico, passou. Dias depois: infecção voltou. Porquê?”

Um artigo escrito por Maria João Caçador, especialista em Fisioterapia Uroginecológica na clínica FISIOGlobal, onde conta o caso de Benedita, uma criança de 2 anos que passou por duas infecções urinárias seguidas.

“Infecções urinárias da Benedita… penso que descobri porque é que ela passou por esta situação duas vezes seguidas. Por favor, acompanhem-me neste raciocínio:

Nas crianças as micções não coordenadas desajustam-se muito frequentemente porque normalmente aos 2 anos (mais ou menos a idade com que a Benedita foi para a escolinha), as educadoras e os pais têm por hábito incutir “agora vamos tirar a fralda”, mas na verdade isto está completamente errado. Porquê? Porque a normal actividade da bexiga só se consegue entre os 5-6 anos, antes disso a bexiga considera-se hiperactiva/hiper-reflexica por natureza (por isso é que é normal as crianças fazerem xixi na cama até essa idade, depois disso já não, já é por outros motivos). Então, se uma criança com 2/3 anos já consegue controlar a bexiga é admirável, mas não é normal. Se eu obrigo uma criança que por natureza não tem desejo prévio miccional, a ir fazer xixi porque vai para a cama ou porque vai sair ou porque poderá ter vontade enquanto está numa viagem de carro, é contribuir para que se instale este desajuste da coordenação da micção. Então, é importante que a criança tenha maturidade para perceber o que é um desejo miccional porque na verdade ela não o sente até aos 5-6 anos. Se ela entende porque alguém lhe explica, ela integra aquela informação e consegue “controlar a bexiga e as idas à casa de banho” por maturidade cognitiva e não porque está a controlar uma função fisiológica. Isto é um problema porque até aos 5 anos, as crianças sofrem muito, sobretudo os rapazes, as meninas aprendem mais rápido e mais facilmente mas mesmo assim isto cria muitas alterações.

As infecções urinárias nas crianças são frequentes. O que é que aconteceu convosco? Pediatra, antibiótico, passou. Dias depois: infecção voltou. Porquê? Precisamente porque se estava a criar este desequilíbrio. A bexiga não se esvaziava completamente, ficavam resíduos na uretra e é aí que surgem as infecções urinárias de repetição. Seja uma criança ou um adulto que tenha este hábito de esvaziar a bexiga apenas porque sim, pois possívelmente daqui a 5 minutos pode não ter uma casa de banho perto, cria uma desequilíbrio no detrusor (músculo que faz a bexiga esvaziar)- infecções urinárias- irritação na mucosa- ardor/infecções de repetições, e por aí fora… depois já não chega o antibiótico. A mucosa fica irritada e só se trata com dieta alcalina (no caso dos adultos através, também, de radiofrequência), se não, cada vez que vai fazer xixi a mucosa está reactiva, o que é que acontece? Aumento de tensão=descontrolo. Quando se faz algum tratamento de fisioterapia, seja com adultos ou com crianças, temos SEMPRE que mudar comportamentos. Umas frases que se devem evitar dizer as crianças é “anda fazer xixi, rápido”, “agora não vais fazer xixi”, quando se está fora de casa, por exemplo num centro comercial “aqui não se faz xixi”, “aqui não se faz cocó”, “não te sentes nesta sanita”, “aguenta e fazes em casa”, “faz agora que vamos sair”, este comportamento está incorrecto. A prioridade é “queres fazer xixi?” Se sim, “vamos!”. Se não quer, não faz. Cada criança tem que fazer xixi e cocó no seu tempo, quando tem vontade, não quando alguém lhe diz para fazer. Ficam ainda mais confusos. Em relação ao fazer cocó: o desejo defecatório dura cerca de 3 minutos, com uma contracção intensa da ampola retal para expulsar as fezes e se não se faz cocó ou xixi no momento em que se tem vontade, automaticamente induz-se uma alteração da dinâmica miccional e defecatória à criança. No caso do cocó, a ampola retal não armazena nada (ou não é suposto) como a bexiga, é apenas um local de passagem, então é importante não alterar esta resposta/comportamento nas crianças. Podem ir avaliando se isto está a acontecer ou cada vez que acontece através de sinais como por exemplo, sempre que verificarem que as cuequitas estão um pouco sujas, como se não tivesse limpado bem o rabiosque. Sempre que tiverem sujas, significa que ela não respeitou a vontade de ir a casa de banho. Aguentou, aguentou, aguentou para não fazer. Ela tem vontade, mas está a brincar ou a fazer outra coisa qualquer e não vai. A vontade passa. Passado um pouco repete-se. Chega a um ponto que a ampola retal contrai de tal forma intensa que não há força que se faça para evitar (isto também é válido para adultos, e não se trata de uma incontinência fecal)… é uma contracção tão forte para expulsar as fezes que cria um desequilíbrio como se fosse o da bexiga, mas é do intestino. É só somar os hábitos. Se se manterem ao longo do tempo, percebemos facilmente que a ampola retal vai “dilatando”, surge dificuldade em evacuar, obstipação, etc etc…

Não se pode adiar o desejo miccional nem defecatório, para não alterar o tónus de base do pavimento pélvico, e consequentemente a actividade de contracção do detrusor. Se o detrusor fica descontrolado, vai estar sempre a contrair mesmo quando não é preciso e não vai fazer uma força máxima para esvaziar a bexiga, então como contrai muitas vezes, a força acaba por ser pouca, não se esvazia totalmente a bexiga e pode surgir nova infecção por acumular resíduos na uretra, por exemplo.

É importante não entrar neste ciclo vicioso.

Mudando alguns hábitos estamos a (re)educar correctamente a bexiga e intestino, e assim, evitamos recorrer a antibióticos e a causar mal-estar à criança com coisas tão simples.”