Escoliose
A Escoliose é definida como uma alteração morfológica tridimensional da coluna vertebral. Simplificando, é uma alteração da forma normal da coluna, sendo caracterizada pela inclinação lateral e rotação axial das vértebras. Perante uma escoliose verificamos a presença de pelo menos uma curvatura. A deformidade é considerada relevante quando o ângulo de deformidade é superior que 10 graus (ângulo de Cobb), levando à redução das curvaturas fisiológicas da coluna no plano sagital. Normalmente, a sua evolução é assintomática, contudo, pode ter consequências ao nível de outros sistemas (músculo-esquelético, respiratório, digestivo), se não for controlada 1, 2, 3.
A grande maioria das escolioses são Idiopáticas, uma vez que não é possível encontrar uma doença específica que cause a deformidade. Ocorre em crianças aparentemente saudáveis e pode progredir multifatorialmente durante qualquer período rápido de crescimento. A hereditariedade deve ser tida em conta 1, 2.
A escoliose, afeta 2 a 3% dos adolescentes sendo mais frequente no género feminino (por volta dos 13 anos). A prevalência é maior por volta da puberdade, período no qual existe um pico de crescimento mais acentuado 4.
Causas
Segundo a literatura mais recente, a causa da escoliose idiopática é desconhecida, o que dificulta o processo de tratamento precoce. Porém, os casos de escoliose estrutural e funcional têm causas identificáveis que podem direcionar os planos de intervenção 3, 4.
A escoliose pode surgir de diversos fatores: genéticos; anomalias coexistentes (estruturas assimétricas do tronco encefálico ou comprometimento sensorial e do equilíbrio); alterações hormonais no processo de crescimento (melatonina); anomalias biomecânicas da coluna (estímulos e sobrecarga assimétricas); distúrbios dos constituintes sanguíneos (plaquetas e colagénio no sangue) 1, 2, 3, 4.
Natureza da escoliose
A escoliose estrutural, resulta do desenvolvimento do sistema músculo-esquelético, podendo a coluna não ter a mobilidade/ adaptabilidade necessária para reverter a curvatura escoliótica. A escoliose funcional, resulta de desequilíbrios musculares, dismetria real no comprimento dos membros inferiores ou alterações associadas ao estado inflamatório de alguns tecidos 4.
Sintomas e Sinais
Normalmente, quando a deformidade é pequena e de progressão lenta, o organismo consegue, com relativa facilidade, reverter a escoliose e adaptar-se, não gerando qualquer sintoma numa fase inicial. Todavia, com o avançar do grau de deformidade, maior é a probabilidade de surgirem sintomas, dada a dificuldade das estruturas articulares e moles em exercer a sua função, colocando-se numa posição de desvantagem mecânica, estando mais suscetíveis ao aparecimento de lesão e dor 1, 2, 3, 4.
Por vezes, dada a severidade da deformidade, outros sistemas podem estar comprometidos, limitando a sua correta funcionalidade, levando a desequilíbrios dinâmicos. Casos de deformidade acentuada do tórax, pode levar a comprometimento do sistema cardíaco e respiratório, limitando a capacidade pulmonar e cardíaca. Assim como, alterações ao nível lombo-pélvico, podem gerar consequências quer a nível digestivo, quer a nível uro-genital, podendo mesmo levar a casos de disfunção sexual, dificuldade na conceção e gestação ou durante o parto 3, 4.
Progressão
A progressão da escoliose ocorre normalmente durante a fase de crescimento das crianças e adolescentes, progredindo até atingirem a fase madura de crescimento. Nas crianças, os sintomas podem ser observados entre os 10 e 15 anos de idade. Podem aparecer em ambos os géneros, sendo que no feminino, o risco associado à progressão da curvatura é superior. Quanto mais tempo faltar para terminar o crescimento, maior é a probabilidade da escoliose progredir 4.
A escoliose pode ainda resultar de degenerescência do disco intervertebral. À medida que estes perdem integridade, a posição da coluna vertebral altera-se.
Diagnóstico
A deteção precoce da escoliose é muito importante para evitar a sua possível progressão e obter um melhor prognóstico 1, 2, 3, 4.
Se o grau de escoliose for:
10-20 graus (Escoliose leve)
Observação
Monitorização durante um período de tempo
Estudar a necessidade de fisioterapia especializada
20-45 graus (Escoliose moderada)
Fisioterapia especializada (exercícios terapêuticos de correção postural para escoliose – RPG)
Ponderar colete ortopédico, prescrito pelo médico ortopedista.
> 50 graus (Escoliose grave)
Poderá haver necessidade de cirurgia
Nos adultos: Fisioterapia especializada para melhoria da postura, alívio da dor e função respiratória
Objetivos específicos do tratamento conservador durante o crescimento (a mais recente evidência cientifica)
Os objetivos específicos do tratamento conservador durante o crescimento devem ser estabelecidos numa primeira abordagem (raio-X antes do tratamento). Estas metas devem ser consideradas como um ajuste contínuo e dinâmico, que podem ser adaptadas durante o tratamento, de acordo com a mudança do estado clínico do paciente (alteração da deformidade, adesão ao tratamento, terapias propostas, etc…). Nesse sentido a SOSORT (International Society on Scoliosis Orthopaedic and Rehabilitation Treatment), alcançou um consenso relativo a padrões internacionais para o tratamento das escolioses idiopáticas 1, 2, 3, 4.
O objetivo absoluto para todos os pacientes em todas as situações clínicas é evitar a cirurgia de fusão.
Os objetivos do tratamento conservador da escoliose idiopática podem ser divididos em dois grupos: morfológicos e funcionais 1, 3. Os morfológicos estão relacionados com a questão estética, que foi definida como o primeiro objetivo de tratamento pelos especialistas do SOSORT. Ambos os grupos estão relacionados com a qualidade de vida dos pacientes, bem-estar psicológico e incapacidade (definidos como o segundo, terceiro e quarto objetivos de acordo com a SOSORT). De uma forma mais abrangente, os objetivos básicos do tratamento conservador da escoliose idiopática são os seguintes: parar a progressão da curva na puberdade (ou possivelmente até reduzi-la); prevenir ou tratar a disfunção respiratória; prevenir ou tratar sintomas de dor na coluna vertebral (a ocorrência de queixas relacionadas com dor é provavelmente de origem multifatorial); melhorar a estética através da correção da postura (a qualidade de vida é significativamente afetada pela autoperceção estética e pela aparência).
Programa de exercícios específicos de fisioterapia para prevenir a progressão da escoliose durante o crescimento
Todo o programa de exercícios deve ser precedido por uma avaliação criteriosa, individualmente prescrito e, se possível, ensinado aos pacientes e pais (padrão típico da escoliose), podendo mesmo, sempre que se considere viável, ser realizado em casa. Isto permite um alcance muito maior, ou seja, um maior número de pessoas está elegível para o tratamento, potenciando uma melhor correção de hábitos posturais, e, consequentemente, um melhor equilíbrio 1, 2, 4.
Mito ou verdade?
1 – A escoliose provoca dor.
Verdade: Até 2017, a maior parte da evidência cientifica referia que “embora a escoliose possa estar associada a dor, à medida que se desenvolve, normalmente, nas fases iniciais, esta não causa dor”. A evidência atual sugere que a escoliose causa dor, pelo menos em alguns casos. Deste modo, não podemos continuar a supor que a presença de dor significa que a escoliose não é um fator a ser considerado 5, 6, 7, 8.
2 – A “vigilância e espera” é a melhor abordagem.
Mito: Em muitos países do mundo a abordagem de “esperar para ver”, continua a ser preferida quando se trata de escoliose. A condição é monitorizada para ver se piora. No passado, esta pode ter sido a melhor abordagem, mas, nos dias de hoje temos o know-how e a capacidade técnica necessária para criar um programa de exercícios específico para escoliose e uma solução de órtotese personalizada, que pode servir para corrigir o problema antes que ele progrida ao ponto onde a cirurgia seria necessária. É mais fácil melhorar uma curva menor e mais flexível com exercícios específicos do que alterar uma curva grande e mais rígida. Assim, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado fazem a diferença 9, 10!
Muitos especialistas ainda consideram que a escoliose só pode ser tratada cirurgicamente. Em muitas situações a escoliose só é valorizada quando se desenvolveu para além dos 45 graus, o que normalmente é considerado o limiar para a cirurgia. Outros métodos não cirúrgicos, certamente ainda são possíveis em curvas acima dos 45º, dependendo do caso e do risco de progressão futura 9, 10. Uma pesquisa recente da British Scoliosis Society (BSS) 11, mostrou que a maioria dos pacientes enfrenta uma longa espera pelo tratamento cirúrgico, durante a qual a escoliose tende a progredir.
3 – Rastreio precoce ajuda quem sofre de escoliose.
Verdade: Como a escoliose nem sempre causa dor (e a maioria das pessoas não sabe reconhecer a escoliose), é perfeitamente possível que a condição passe despercebida na maioria dos casos. Quanto mais cedo for detetada, mais apropriado será o tratamento 3, 4, 5.
4 – A escoliose não progride para a idade adulta.
Mito: A escoliose está fortemente associada ao crescimento – logo, poderíamos supor que quando um adolescente parasse de crescer, a escoliose deixaria de aumentar. Sabe-se agora que muitas vezes progredirá para a idade adulta e que quanto maior a curva existente, maior a probabilidade de progressão. A principal razão para a progressão é o enfraquecimento dos ligamentos da coluna à medida que envelhecemos. À medida que os ligamentos enfraquecem, a coluna perde estabilidade e a deformidade piora. O enfraquecimento dos ligamentos faz com que 30% da população com mais de 60 anos tenha escoliose contra apenas 3% dos adolescentes 12.
5 – A natação ajuda a reduzir a escoliose.
Mito/ Verdade: Embora a natação seja uma ótima forma de exercício, não há evidência que apoie esta ideia. No entanto, não podemos afirmar que os pacientes com escoliose devem evitar nadar, mas podemos dizer que o nadar, por si só, não é um tratamento eficaz. Não temos conhecimento da existência de algum estudo que tenha analisado especificamente a natação, principalmente porque há um foco muito maior em exercícios específicos para escoliose que podem ajudar a controlar ou reduzir de forma significativa.
6 – Podemos corrigir a escoliose se simplesmente nos passarmos a sentar direitos.
Mito: A escoliose é mais do que apenas uma torção da coluna. Muitas vezes é multifatorial, exigindo, portanto, um tratamento multifatorial. Sentar-se de forma ereta pode ajudar um pouco, uma vez que os exercícios posturais são um elemento eficaz num programa de tratamento, mas o tratamento certo será diferente para cada paciente. Não é possível corrigir a escoliose alterando simplesmente os padrões de sentar, mas sim, incidindo num programa mais global, enfatizando diversas áreas e dinâmicas do nosso dia-a-dia. Problemas posturais que se mantêm a longo prazo podem predispor ao desenvolvimento da escoliose numa fase mais tardia da vida, pelo que, o foco na postura agora, pode render dividendos mais tarde 3, 4, 9, 10.
7 – Ortóteses de correção (coletes) funcionam na correção da escoliose.
Verdade: A órtotese vertebral tem sido objeto de intensa pesquisa nos últimos anos. Longe do mito de que são ineficazes, os coletes demonstraram reduzir a progressão da escoliose em 70 a 80% dos casos. Entre alguns profissionais de saúde, a noção de que os aparelhos para escoliose não funcionam ainda existe. No entanto, a própria tecnologia de órtotese percorreu um longo caminho nos últimos anos. O problema reside no fato de os aparelhos médicos tradicionais serem projetados para manter a coluna na posição escoliótica do paciente, o que pode interromper a progressão, mas na verdade nada faz para melhorar a curvatura. Atualmente, existem coletes corretivos que permitem contração ativa de ajuste, de forma a deslocar a coluna na direção oposta, de volta à postura normal. Além disso, ajudam a mudar a carga mecânica da coluna para estimular o crescimento normal da coluna. Isso não só ajuda a reduzir a probabilidade de progressão, mas também melhora a potencial correção 13.
8 – A escoliose só afeta as mulheres.
Mito: A escoliose é particularmente comum em bailarinos e ginastas, podendo desenvolver-se em ambos os géneros. No entanto, esta é mais comum no género feminino. Pesquisas mais recentes, mostraram que ginastas (e bailarinos) são até 12 vezes mais propensos a desenvolver escoliose do que não-ginastas 14.
9 – A manipulação vertebral pode reduzir a escoliose.
Mito: A manipulação vertebral, pode ajudar a melhorar a mobilidade da coluna e aliviar a dor em alguma área acometida pela escoliose, assim como, pode fazê-lo para quem não tem escoliose – mas a manipulação por si só não reduzirá a escoliose. Não há evidência cientifica alguma para apoiar a afirmação de que a manipulação da coluna e as técnicas de ajuste, possam reduzir a escoliose 15.
10 – Programas mais globais, especializados em exercícios e reeducação da postura, reduzem a escoliose.
Verdade: A fisioterapia ajuda a melhorar a mobilidade e a função dos pacientes com escoliose. Pode e deve fazer parte de um programa geral. No entanto, não há evidência que mostre que, isoladamente, consiga melhorar uma curvatura escoliótica. Programas especializados em exercícios e reeducação da postura (RPG), assim como, o uso de colete, são atualmente as únicas metodologias, não cirúrgicas, clinicamente indicadas como eficazes no tratamento da escoliose. As pesquisas mais recentes, demonstram que as abordagens baseadas em exercícios tendem a produzir pontuações de qualidade de vida ligeiramente mais altas do que apenas o uso de órtotese de correção 13.
11 – Mochilas escolares pesadas podem causar escoliose.
Mito: Mochilas de elevado peso causam carga desigual e nunca são boas para a coluna e postura das crianças… mas não causam escoliose. Se assim fosse, um elevado numero de crianças teriam escoliose. No entanto, seja consciente e pense na saúde geral da coluna das crianças, não apenas na escoliose 1, 2, 4.
12 – A escoliose piora na gravidez ou pode impedir-me de ter filhos.
Mito: Dados mais recentes mostram que as mulheres não correm um risco aumentado de progressão da escoliose na gravidez. Ainda assim, a gravidez irá induzir mais stress no corpo e na coluna, o que irá aumentar a probabilidade de desenvolver dor e desconforto, sintomas que podem ocorrer em qualquer mulher grávida. No parto, é importante que o anestesista esteja ciente de que a mãe tem escoliose, caso necessite de epidural. No entanto, a escoliose não afetará a capacidade da mulher engravidar ou dar à luz 3.
13 – A cirurgia é o único tratamento para a escoliose.
Mito: A cirurgia é a única opção para grandes curvaturas com alto risco de progressão. 50º é o indicador típico para cirurgia, pois a curvatura apresenta alto risco de progressão para a idade adulta. Colete com exercícios corretivos específicos para escolioses (RPG) demonstraram ser clinicamente eficazes na redução de curvaturas entre 20º e 60º, enquanto que, curvaturas entre 10º e 20º com baixo risco de progressão, devem ser tratadas com exercícios específicos para escoliose (RPG) 1, 3 .
Um abraço da sua equipa multidisciplinar
A FISIOGlobal
– Artigo escrito pelo Ft. Tiago Ferrete
Referências Bibliográficas
1 – Negrini S. et al., 2016 SOSORT guidelines: orthopaedic and rehabilitation treatment of idiopathic scoliosis during growth.Scoliosis Spinal Disord. 2018 Jan 10;13:3.
2 – Berdishevsky H. et al., Physiotherapy scoliosis-specific exercises – a comprehensive review of seven major schools. Scoliosis Spinal Disord. 2016 Aug 4;11:20.
3 – Schreiber S, Parent EC, Hill DL, Hedden DM, Moreau MJ, Southon SC. Patients with adolescent idiopathic scoliosis perceive positive improvements regardless of change in the Cobb angle – Results from a randomized controlled trial comparing a 6-month Schroth intervention added to standard care and standard care alone. SOSORT 2018 Award winner. BMC Musculoskelet Disord. 2019 Jul 8;20(1):319.
4 – Negrini S, Minozzi S, Bettany-Saltikov J, Chockalingam N, Grivas TB, Kotwicki T, Maruyama T, Romano M, Zaina F, Braces for idiopathic scoliosis in adolescents.Cochrane Database Syst Rev. 2015 Jun 18;(6).
5 – Theroux Jean, Le May Sylvie, Labelle Hubert. Back Pain and Adolescent Idiopathic Scoliosis: A Descriptive, Correlation Study. University of Montreal, Quebec, Canada; Murdoch University, Perth, WA, Australia, Spine Society of Australia 27th Annual Scientific Meeting (8-10 April 2016);
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13 – Yu Zheng, MD PhD et al,. Whether orthotic management and exercise are equally effective to the patients with adolescent idiopathic scoliosis in Mainland China? – A randomized controlled trial Spine (Phila Pa 1976) 2018; 43 (9): E494-E503.
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