O que é educar para a sexualidade?
A sexualidade humana é um aspeto central presente em nós desde que nascemos e até que termina a nossa vida. Freud foi um psicólogo que dedicou muito do seu estudo nesta temática e defendia, entre várias coisas, que a sucção/sugar dos bebés durante a amamentação os levava à satisfação da fome, à sensação de conforto e ao relaxamento para poder adormecer de seguida, motivo pela qual muitos bebés repetem o ato da sucção (através de uma chupeta, chuchar no dedo, levar os brinquedos à boca) sem o objetivo nutritivo. Ninguém de nós reprime estes comportamentos nos bebés, porque os encara com normalidade. Não obstante, estes gestos fazem parte da Sexualidade, e esta área engloba o que acabamos de ler, engloba o sexo propriamente dito, as diferenças de género, a identidade, o prazer, a intimidade, a reprodução e a orientação sexual. Vivenciamos, cada um de nós, a sexualidade através de pensamentos, ações, fantasias, desejos, práticas e através das nossas relações interpessoais. Parece que é simples abordar o tema da sexualidade, porém, damos conta que apresenta todas estas dimensões e nem todas elas se expressam ou manifestam, o que significa que a nossa sexualidade é norteada pela interação de fatores biológicos, psicológicos, sociais, morais, culturais, económicos, religiosos, espirituais, entre outros. Percebemos, então, que não há certos nem errados e o que é válido para nós, pode não ser para o nosso vizinho. Estamos a falar de algo tão central e importante na vida das pessoas, que devemos saber um pouco mais sobre o que significa verdadeiramente educar para a sexualidade.
Tradicionalmente estamos focados nos “centrismos” da sexualidade, isto é, a sexualidade normativa reduz-se a determinadas áreas anatómicas, a determinados atos concretos, a uma série de estereótipos (ideias pré-concebidas e alimentadas), a determinadas idades, e os “centrismos” tradicionais são, por exemplo, o coitocentrismo – considerar que o sexo é o coito (pénis na vagina) sem contemplar que outras práticas sexuais são também sexo; o adultocentrismo – ou seja, considerar a sexualidade como uma coisa de adultos; o androcentrismo, que é uma visão estereotipada em que a mulher é considerada como um objeto de desejo e de prazer para os homens; e a própria genitalidade que reduz o sexo aos órgãos genitais, como se o contacto com o resto do corpo não tivesse nada que ver com sexo. Se a sexualidade dependesse apenas e só dos genitais, alguém com disfunção ou patologia genital não podia ter relações sexuais e era vista como alguém anormal, o que não é verdade. Estas limitações influenciam a nossa capacidade de ver, compreender e aceitar a sexualidade das pessoas com deficiência, homossexuais, transexuais, das crianças, adolescentes, das pessoas idosas, porque reduz-se tudo a critérios ou informações heteronormativas, e por isso hoje ainda continua a ser tabu falar de sexualidade e de sexo. Há como que uma proibição de falar em tudo aquilo que não encaixa nos “centrismos”.
É certo que a sexualidade de uma criança ou de um adolescente não é igual à sexualidade de um adulto e educar para a sexualidade é isto mesmo, é romper estes estereótipos e quando nas escolas se aborda a educação sexual, é de uma forma muito mecânica e crua, dá-se muita informação aos jovens de como se deve utilizar um preservativo, fala-se sobre a gravidez não desejada, sobre os métodos contracetivos, sobre as doenças sexualmente transmissíveis – e está tudo certo!- mas falta algo muito importante: não se fala das emoções, do vínculo, do prazer, e esta forma isenta de afetividade, envolvimento, sentimentos, pode gerar um profundo desconhecimento daquilo que é verdadeiramente a sexualidade, e acaba por instigar as pessoas – os jovens, neste caso- a ver a sexualidade rodeada de tabus, culpa, vergonha, medo, como algo negativo e perigoso.
Uma boa educação sexual deveria incluir tanto quanto possível conhecimento sobre o próprio corpo, sobre as emoções, e não limitar-se à componente reprodutiva (vagina, pénis, ovários, útero, espermatozoides, óvulo) e à parte negativa (gravidez não desejada, aborto, contraceção, pílula, preservativo) mas também a toda a fisiologia que diz respeito ao prazer, ao bem-estar e a toda a esfera emocional e afetiva: ensinar o importante que é desejarmo-nos a nós próprios, respeitarmo-nos, ensinar a impor os nossos próprios limites físicos e de relação com os outros (não fosse a taxa de violência no namoro em idades jovens cada vez mais crescente!…). Vivemos na era da informação e o consumo de vídeos pornográficos nunca foi tão elevado- agora em tempo de isolamento social, fruto da pandemia de Covid-19, a curva de procura por filmes pornográficos é ainda maior- e a educação sexual é tão limitada e centrada que se acaba por aceder a respostas às nossas questões na internet, sem recorrer às fontes de informação adequadas, e a industria pornográfica está carregada de más e erradas mensagens.
Assim, urge a questão: qual é a altura certa para falar sobre sexualidade? As crianças e os adolescentes são muito curiosos e estão preparados para receber as respostas quando fazem perguntas, e tudo pode ser explicado de forma sincera adaptando a linguagem ao seu nível cognitivo ou intelectual- não falamos da mesma forma para uma criança de 6 ou de 16 anos.
É muito frequente nas crianças, enquanto se troca a fralda, levarem as mãos à pilinha ou ao pipi e regra geral ouvem o cuidador dizer “não se mexe aí!..”. Esta é, por exemplo, uma excelente oportunidade de mudar o nosso discurso desde muito cedo, e ao invés da primeira indicação, terminar a nossa tarefa enquanto cuidador e deixar a criança mexer à vontade onde quiser. Também devemos lidar com a nudez de forma natural e não como algo exibicionista – antigamente era tabu ver os pais despidos e ver as mães a utilizar um penso nos dias de menstruação- e por isso muitas mulheres adultas ainda hoje não sabem ao certo o que significa a menstruação, porque é que ocorre, e este é também um tema que gera desconforto e dúvida ao abordá-lo- então, mais uma vez, temos uma excelente oportunidade de educar as nossas meninas de hoje, não escondendo que a menstruação faz parte da vida das mulheres e que sangrar é normal, não se trata de nenhuma ferida, não dói, explicar que dentro da nossa barriga há um órgão que se chama útero e que todos os meses se prepara por dentro, como se fosse uma casinha para poder receber um bebé, e que se não engravidamos, essa casinha desfaz-se em forma de sangue, e todos os meses é preparada uma casinha nova para o caso de queremos um bebé. Devemos começar a falar com as meninas claramente sobre a menstruação a partir dos 8-9 anos, sem assustá-las com mensagens de dor ou desagradáveis. Ao invés, devemos tentar fazê-lo com a máxima naturalidade que este processo merece e com a máxima descontração, porque mais importante que a linguagem verbal, é a mensagem não-verbal que inconscientemente se transmite e que as crianças conseguem captar sobre a relação que a mãe sente ou tem com o próprio corpo: se a mãe se relaciona mal com o seu próprio sangue menstrual, se está descontente com o seu aspeto físico ao dizer “estou gorda”, “estou magra”, “estou velha”, “sou feia”, “tenho celulite”, “tenho um rabo grande”, “tenho estrias nas mamas”, são mensagem que influenciam fortemente o modo como aquela menina/filha vai aprender a relacionar-se com o seu próprio corpo- com vergonha, com ódio, com nojo- no lugar de sentir-se segura e com autoestima.
Para terminar, conforme referido no início, a sexualidade começa desde o nascimento e a primeira relação de amor que se vive é com a mãe. Uma vinculação segura com a mãe, estimula positivamente de forma bio/corpo, psico/mente e social o desenvolvimento e crescimento das crianças, e por consequência, o desenvolvimento psicossexual. A amamentação/alimentação do bebé, o sentir-se acarinhado, protegido, os miminhos, o contacto pele-com-pele, estimulam a produção de ocitocina- a hormona do amor – e é esta a forma neuro-bioquímica do prazer, da sexualidade dos bebés, que obviamente não tem nada a ver com a sexualidade adulta, mas que está provado que um vínculo seguro entre mãe e bebé impacta diretamente com uma sexualidade saudável quando se chega a uma etapa adulta, tal como defende o Antropólogo James W.Prescott, em várias investigações que concluem que a origem da violência e a diferença entre homens e mulheres começava em tenras idades em crianças pouco protegidas e acarinhadas pelos pais, e que o contacto físico com as mães era escasso nas sociedades mais violentas e que mais reprimiam a sexualidade.
Outra coisa importante sobre a infância é que devemos ter em conta, tão ou mais importante como não reprimir a autoestimulação genital, é que não devemos obrigar as nossas crianças a dar beijos ou abraços a ninguém, se não for essa a vontade da própria criança: devemos começar por incutir-lhes que nada nem ninguém pode obrigá-las a tocar noutras pessoas ou a serem tocados se não quiserem, mesmo que seja um simples beijinho na cara ou um abraço. Esta atitude vai reforçar sentimentos de segurança, autoestima e de são donos do próprio corpo, evitando possíveis abusos no futuro.
Se basearmos a educação sexual em mensagem contraditórias, pouco claras, fazendo referências negativas ao corpo e aos processos fisiológicos a ele associados, ao invés de nos enchermos de orgulho de quem somos, de como é o nosso corpo, fomentar a segurança e a autoestima, conseguimos certamente contribuir para uma maior literacia na sociedade, moldando a forma como se educa para a sexualidade sem reprimir o impulso normal de se querer conhecer o corpo, se sentir prazer, e aquilo que devemos fazer é simples: perceber que a sexualidade é algo individual e por isso é melhor fazê-lo em intimidade, conforto, certeza, para evitar a exposição a possíveis sentimentos, situações e pessoas, fazendo jus aquilo que é a finalidade da saúde sexual- um estado completo de bem-estar físico, mental e social.
Fisioterapeuta Maria João Caçador