Devem os joelhos passar os pés durante o agachamento?
Devem os joelhos passar os pés durante o agachamento? – Análise biomecânica do padrão de movimento AGACHAR
A resposta é… depende!
Para pessoas ou atletas com determinadas patologias, poderá ser benéfico, ou não, restringir a amplitude de movimento (ADM) do agachamento ou modificar a sua técnica.
Para indivíduos sem qualquer tipo de patologia, não faz sentido não permitir que os joelhos passem os pés.
Acredita-se que esta crença foi criada após um estudo que analisou o torque (Força que tende a criar uma rotação, isto é, a força que é necessária para criar movimento nas articulações) do joelho e da anca com (Imagem B) e sem (Imagem A) restrição dos joelhos passarem os pés. Obrigatoriamente, restringindo o movimento dos joelhos, tem de haver uma inclinação do tronco anterior maior para o equilíbrio ser mantido.
(IMAGEM 1)
O que se concluiu foi que agachar com restrição dos joelhos, o torque do joelho era 22% superior a agachar sem a mesma restrição. Isto remete-nos a 2 perguntas:
1) Apesar do torque aumentar em 22%, isso implica necessariamente que seja prejudicial para os joelhos?
2) Sendo o agachamento multi-articular que implicações tem para as outras articulações restringir o movimento dos joelhos?
Respondendo então à primeira pergunta, outro estudo, mostrou que o stress aplicado aos joelhos quando estes se movem anteriormente está perfeitamente dentro dos limites do que esta articulação pode suportar. Portanto, realizar agachamentos profundos sem restrições não é prejudicial para os joelhos.
Já relativamente à segunda pergunta, o estudo que analisou o torque das articulações do joelho e anca, concluiu que para diminuir os 22% de torque no joelho restringindo o movimento deste aumentava o torque da anca em 1070%!!!
Conclusão, restringir o movimento dos joelhos, não parece ter grande vantagem, não só porque não prejudica em nada os joelhos, como pode ser potencialmente perigoso para anca e para a lombar, que são as articulações que mais têm de produzir força com inclinação anterior do tronco.
A restrição do movimento dos joelhos pode ser benéfica em casos como ligamentoplastia do cruzado anterior, síndrome-patelofemoral, tendinopatia do rotuliano, osteoartrite patelofemoral, etc., contudo não quer dizer que indivíduos com estas patologias não tenham capacidades para agachar profundamente e os joelhos passarem à frente dos pés.
Tudo dependerá do estadio da lesão e das informações que se retiram de uma avaliação completa.
Quando necessário, é possível manipular variáveis:
o Colocação dos pés:
Agachar com uma base mais larga aumenta cerca de 16% e 15% as forças compressivas sobre as articulações tibio femoral e patelo femoral, respectivamente. Indicado para lesões como tendinopatia do rotuliano ou LCA porque pretendemos diminuir as forças de cisalhamento;
Base mais estreita obriga a que os joelhos se desloquem mais anteriormente e consequentemente aumentem as forças de cisalhamento, portanto mais recomendado para lesões que pretendemos diminuir forças compressivas como lesões meniscais e/ou cartilagíneas ou síndrome patelo femoral;
o Variação do tipo de agachamento:
Front Squat (agachamento com barra nas clavículas) vs Back Squat (agachamento com barra nas costas) – As forças de cisalhamento e a activação muscular são similares em ambas as variações, por outro lado, as forças compressivas são menores no front squat;
(IMAGEM 2)
Back Squat pode ser dividido em high bar back squat (barra acima do acrómio) e low bar back squat (barra abaixo do acrómio).
O low bar back squat provoca menor forças compressivas e menor stress no LCA porque implica maior inclinação anterior, tíbia mais verticais, logo produz maior torque na extensão da anca e menor no joelho, em relação ao high bar.
Também o low bar, bem executado, reduz o torque na coluna devido à sua base mais larga, e pode ser uma variação a ser usada para quem tem défices de mobilidade de anca e joelho.
Importante, as forças exercidas em qualquer das variações não ultrapassaram o limiar da força das estruturas, logo qualquer uma pode ser utilizada salvo alguma contra indicação por lesão prévia.
Box Squat, excelente variação para indivíduos com patologia em fase aguda, com grandes défices de mobilidade ou quando é necessário evitar grandes forças compressivas, estas aumentam com o aumento da flexão do joelho no agachamento.
(IMAGEM 3)
Antes de falarmos sobre a posição ideal do tronco no agachamento, queremos deixar algo que pensamos ser um outro mito na nossa sociedade.
Há, em muitos casos, a ideia que fazer a flexão do tronco à frente é prejudicial à coluna. Isto é totalmente errado quando pensamos nas actividades do dia-a-dia, como pegar num bebé ao colo, apertar os cordões, estar sentado com as costas “dobradas” etc. Se o nosso corpo nos permite ter estes graus de movimento é porque é suposto utilizarmo-los.
Verdade que muitas vezes temos “dores de costas”, mas a nossa coluna é extremamente forte e resiliente. O grande problema é que sempre que sentimos dor, associamos que existe uma estrutura também danificada. Apesar de ser verdade, em certos casos, na grande maioria não o é.
A dor é multi-fatorial (como já discutimos num artigo bem elaborado pela nossa fisioterapeuta Rute Gil) e é causada por factores “extra-coluna” – falsas crenças, emoções, stress, etc.
Quando falamos em transportar, pegar, levantar cargas muito pesadas, aí devemos ter algum cuidado na posição do tronco.
No movimento de agachamento com cargas elevadas a posição do tronco deve ser neutra:
Se houver (excessiva) flexão lombar, apesar de as forças compressivas diminuírem e o braço de alavanca ser menor, a carga passa a ser transferida dos músculos para as estruturas passivas, podendo aumentar o risco de lesão. Este movimento, por sua vez, aumenta também as forças de cisalhamento;
Já a extensão excessiva aumenta as forças compressivas – por cada 2º de extensão adicional estas forças podem aumentar até 10%.
Portanto, já que as forças da coluna aumentam com a inclinação do tronco, pretende-se uma posição o máximo vertical possível durante o agachamento.
Se queremos treinar a resiliência da coluna através de uma inclinação anterior maior, existem diversos exercícios para este efeito.
Por fim, deixar duas vantagens de executar as repetições fazendo criando um “balão” com a barriga durante a inspiração, e executar toda a repetição em apneia inspiratória:
Aumenta a pressão intra-abdominal que cria um movimento de anti-flexão da lombar diminuindo a contracção do eretor da coluna e consequentemente das forças compressivas;
Fenómeno da irradiação – contraindo fortemente um músculo, e visto que os nossos nervos são correntes eléctricas, a activação muscular é transmitida à musculatura envolvente que aumenta a estabilidade postural e transfere a energia às articulações subjacentes. Mais músculos a contrair, mais força gerada, mais carga é possível levantar durante o agachamento.