Cirurgia: sim ou não?

Por ano, em diversos países do mundo ocidental, são realizadas milhões de cirurgias. Debruçando-nos sobre as cirurgias ortopédicas, muitas realizadas com base exclusivamente na sensação de dor em determinada região corporal e/ou Exames Complementares de Diagnóstico (ECD). Tal como o nome indica, são exames complementares. Nem sempre a imagiologia está directamente correlacionada com a dor, como vamos ver mais à frente, mas a verdade é que estes se tornaram o primeiro critério de diagnóstico. O exame físico e a procura de sintomas psicológicos/emocionais são relegados para segundo plano ou até totalmente descartados.

Ao contrário dos medicamentos, as cirurgias não são alvo de testes para perceber a sua eficácia e segurança, nem é avaliado se têm resultados mais satisfatórios que o efeito placebo. Mas estas, mesmo não tendo resultados evidentemente superiores, devem ser consideradas para opção?

Na nossa opinião, deveria haver suporte cientifico robusto, justificando os vários tipos de cirurgias que são feitas, mas a verdade é que o que se tem investigado e concluído nos últimos anos é que muitas destas não têm eficácia superior ao placebo ou ao tratamento conservador.

Embora a evidência seja dúbia, milhares destas cirurgias continuam a ser realizadas.

Falaremos um pouco sobre cirurgias da coluna e do joelho, das regiões onde este fenómeno social mais ocorre.

Nos EUA (referimo-nos a este país por ser o único que tem dados concretos suportados pela evidência cientifica) entre 2000 e 2009 foram diagnosticados 380.305 pacientes com a patologia de disco degenerativo lombar ou lombo-sacra e sujeitos a cirurgia para fusão das vértebras. Para resolução deste problema várias técnicas foram utilizadas, e a verdade é que de 2000 a 2009 a incidência desta cirurgia aumentou 2.4 vezes.

Revisões sistemáticas de 2007 e 2014 demonstraram que a cirurgia poderia ter uma melhoria ligeiramente superior ao tratamento conservador, embora estatisticamente não relevante, mas poderia não ser superior a programas bem estruturados com exercício e terapia cognitiva comportamental. Ou seja, leva-nos a perceber a multidimensionalidade do que é a dor, e especificamente a dor lombar. Questões emocionais, psicológicas, sociais e culturais têm uma influência bastante considerável neste processo. Portanto, já há mais de 12 anos, que se demonstra que para a reabilitação das dores lombares o ideal será uma equipa multidisciplinar.

Portanto, na nossa opinião, o tratamento conservador através de um bom programa de exercícios combinado com terapia educacional, poderá ser a opção primordial, sendo a cirurgia a última opção quando já se esgotaram todas as hipóteses. Contudo, todos os profissionais de saúde devem expor, desde início, estes dados aos pacientes, e em último caso são estes que decidem qual o caminho que querem seguir.

Ainda assim, com evidência sobre a não tão maior efectividade desta técnica, quando a tendência deveria ser diminuir, mais estudos mostraram que entre 2005 e 2014 as fusões lombares aumentaram em cerca de 55%.

Outro caso comum, é nas vertebroplastias, técnica usada para fraturas destas estruturas em pessoas com osteoporose. A verdade é que já se demonstrou que esta cirurgia não é mais eficaz a respeito da dor, funcionalidade e qualidade de vida que uma cirugia fingida (“sham surgery”), que não é mais do que fazer os cortes na pele simulando uma cirurgia real, mas não se efectuou nenhum procedimento.

Se olharmos para articulação do joelho, esta particularidade de se efectuar cirurgias, muitas vezes desnecessárias, também acontece.

A osteoartrose (OA) é um achado imagiológico bastante comum, com uma incidência directamente proporcional à idade. Embora se opere diversas vezes os joelhos (quando existe dor) porque se identificou num ECD a presença de OA a verdade é que a evidência científica nos mostra uma correlação muito pobre entre dor e OA, isto é, verifica-se que muitas pessoas dentro da mesma faixa etária apresentam OA sem qualquer sinal de dor.

Após identificação desta premissa, efectuaram-se diversos estudos, que procuraram comparar a cirurgia à OA através de artroscopia (limpeza de cartilagem ou ossos fragmentados e lavagem com solução salina) vs exercício + medicação ou vs uma sham surgery. As conclusões obtidas foram que em relação aos parâmetros da dor e da funcionalidade do dia-a-dia, a cirurgia não obteve melhores outcomes nem em relação à sham surgery nem em relação ao exercício + medicação.

Após este tipo de cirurgias cair em desuso, foram substituídas pela meniscectomia parcial artroscópica que não se revelou mais eficaz que exercícios ou cirurgias fingidas.

Para ambos os tipos de cirurgias a evidência científica mostra que a eficácia destas é baixa, tem potencial de causar danos (sequelas que advêm da cirurgia) e que não são melhor que exercício.

Uma revista conceituada Britânica, em 2017, (British Medical Journal), lançou guidelines que afirmavam que recomendavam fortemente o não uso de cirurgias em lesões degenerativas do joelho, em praticamente todos os pacientes. Ainda assim, por ano, são realizadas 150.000 artroscopias ao joelho no Reino Unido e cinco vezes mais nos Estados Unidos da América.

A questão é, se a cirurgia não se mostra mais eficaz do que o tratamento conservador, sujeitando o indivíduo a uma intervenção tão agressiva e invasiva, deverá esta ser maioritariamente a primeira opção de tratamento?

Como acima citado, a nossa posição perante este tema controverso, é que quando este tipo de patologias surge, o tratamento conservador deveria ser a opção recomendada na maioria das situações, associando a reabilitação através da educação, mudança de crenças e comportamentos, bem como outras áreas, como por exemplo a nutrição. Se estas vertentes não resultarem, então, sim, a cirurgia entra como opção.

Mantemos esta posição não só, pela agressão bastante considerável que uma cirurgia provoca a todos os sistemas do nosso organismo, mas também porque a degeneração das articulações pode ter avançado mais rapidamente que o expectável por inadequada força muscular, por falta de mobilidade e/ou estabilidade dessa mesma articulação ou das articulações adjacentes, vertentes que apenas são melhoradas com o exercício e que com a realização da cirurgia estas condições mantêm-se ou até mesmo pioram.

Em jeito de conclusão, e respondendo à pergunta “cirurgia sim ou não?”, diríamos que nem sempre sim, nem sempre não. Impera a necessidade de se envolver o utente junto de uma equipa multidisciplinar, onde as boas práticas fruto da melhor evidência científica e clínica devem imperar para que a tomada de decisão seja a mais acertada, sempre em prol do bem-estar do utente.

Para mais informações leia o artigo “Hérnia e/ou dor lombar”, por João Ferreira.

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